Como o cérebro se dobra? Implicações de um modelo simples e universal para a morfologia cortical
Bruno Mota (IF-UFRJ)

O córtex cerebral mamífero é provavelmente a mais complexa e versátil estrutura já estudada pela ciência. Ele é composto por dezenas de bilhões de neurônios, conectados entre si por trilhões de sinapses, organizados em estruturas espacialmente complexas e apresentando atividade ocorrendo em escalas de tempo que vão de milissegundos a décadas. Este não parece ser um sistema cujas propriedades essenciais possam ser obtidas a partir de primeiros princípios.
A comparação entre espécies diferentes demonstra a existência de algumas regularidades sugestivas, porém. Morfologicamente, há uma distinção aparentemente clara entre cortices girificados (i.e., dobrados, e tipicamente maiores) e lisoencefálicos (i.e., lisos, e tipicamente menores). Mas, de forma geral, os principais elementos constituintes do sistema nervoso são conservados entre diferentes espécies apesar da sua enorme variedade de volumes cerebrais, número de neurônios e capacidade cognitiva, e o seu desenvolvimento é controlado por uns poucos milhares de kilobits de informação genética. De fato, estudos da neuroanatomia comparada sugerem fortemente que existe um mecanismo não-procedural e invariante por escala que resulta na girificação do cortex como um todo.
Na procura por tal mecanismo, mostramos que a maneira como cortices giroencefálicos se dobram, os lisoencefálicos não se dobram, e a transição entre ambos, podem ser todas expressas por uma lei de potência que relaciona três variáveis morfológicas. Esta relação, por sua vez, resulta da minimização de uma energia livre efetiva associada à forma do cortex, de acordo com um modelo físico simples baseado em mecanismos conhecidos da distensão axonal e da natureza auto-evitante da superfície cortical. O modelo prevê o valor correto da dimensão fractal desta última sem ajuste de parâmetros, e mostra que a única escala de tamanho relevante para a girificação é dada pela espessura cortical. Empiricamente, ele se mostra em excelente concordância com dados obtidos a partir de córtices de mais de 60 espécies de mamíferos, que vão do camundongo ao elefante.
Usando superfícies corticais reconstruídas a partir de MRI, mostramos ainda que a mesma relação universal se aplica a humanos, sem distinção entre sexos; mas que ao longo do envelhecimento sadio ocorre uma redução monotônica de uma constante multiplicativa (que não é especificada pela teoria) associada à plasticidade mecânica dos axônios. Indivíduos com doença de Alzheimer, por outro lado, apresentam uma redução muito mais dramática deste parâmetro, o que indica que, pelo menos do ponto de vista morfológico, o Alzheimer pode ser visto como um envelhecimento prematuro do córtex.
Todas estas regularidades parecem implicar que, apesar de toda a diversidade morfológica e funcional, a evolução de fato dispõe de somente um número limitado de graus de liberdade com os quais moldar um córtex em resposta às diferentes restrições e pressões adaptativas que afetam diferentes espécies de mamíferos. Em termos adaptativos, isto implica que as propriedades globais de todos os córtices são em grande parte consequências necessárias, e não contingentes, da minimização vinculada do cabeamento axonal de uma superfície cortical auto-evitante em crescimento.